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RESPEITO (11)
O apóstolo Filipe formava com Pedro e André, uma trilogia fecundante das lições oriundas de Deus através do Cristo, e cultivada em Betsaída. Filipe transformou-se numa espécie de repórter da Boa Nova, andando por Betsaída.
Certa vez, parou em frente a uma oliveira em cuja sombra repousava um ancião de quase 100 anos. Tinha os cabelos brancos e o rosto enrugado, sinal que denunciava o mau trato de sua existência. Os olhos meio apagados, eram como despidos de todo o desejo de ver a Natureza, pelo cansaço e enfado de contemplar todos os dias a mesma coisa.
Filipe puxou conversa com o ancião com o intuito de ajuda-lo de alguma forma.
- A paz seja contigo, meu Senhor!
- Quem sois? Quem ousa tirar-me do descanso que, se é que Deus existe, Ele me proporcionou?
- Sou eu, meu velho, Filipe! Um simples homem. Em que poderei servir?
- Servir, servir, servir! – o velho deu uma gargalhada ironizando as boas intenções de Filipe, que falara com carinho sobre o Messias que já estava na Terra.
- Meu amigo, como te chamas?
- Podes me chamar de Sultão, se queres colocar-me, ao menos pelo nome, aonde nunca pude chegar.
Essa forma de responder deu a Filipe a ideia de que o ancião era uma pessoa amargurada na vida, talvez por frustrações no campo político. Procurou palavras coerentes para informar a preciosidade que havia encontrado.
- Meu velho Sultão! Eu estou aqui para te falar de Deus, um Deus que talvez não soubestes procurar, um Deus que não persegue nem calunia, não ambiciona, não rouba, não odeia, não fala mal de ninguém, não despreza, não desdenha, não é egoísta nem orgulhoso!
- Esse Deus que pregas não existe!
- Esse Deus, meu amigo, é o que existe, eu poderei te levar, não a Ele, mas Àquele que o representa na Terra, o Messias que estou tentando te revelar.
- Messias... Messias... Nós estamos na época dos Messias, eles estão por toda parte. Só aqui, na Galiléia, eu conheço centenas, a quantidade é igual à dos peixes nos rios.
Filipe procurou argumentar da melhor forma que podia para mostrar ao velho o tesouro que ele havia encontrado.
- Sultão, meu senhor! Esse de quem te quero falar é diferente desses outros, porque Ele opera prodígios nunca antes vistos por nenhum profeta: dá vista aos cegos, levanta paralíticos, faz ouvir os surdos e devolve a vida àqueles que já consideramos mortos. Esse de quem te falo é Nosso Senhor Jesus Cristo.
O velho Sultão levantou-se com dificuldade e saiu praguejando contra Deus e Cristo, e chamando Filipe de cão sem dono, que não tinha nem respeito pelos velhos que queriam descansar.
O discípulo repórter teve vontade de ir atrás e procurar outros meios de convencê-lo, mas algo na consciência lhe dizia: “Basta, Filipe, basta!”
Ao cair da tarde, os discípulos reunidos com Jesus no casarão de Betsaída, Filipe teve a oportunidade de fazer a pergunta que estava lhe perturbando.
- Jesus, podes nos ajudar, principalmente hoje, a entender o que deve ser o Respeito aos outros? Senhor, estou assustado, pensando no que devo fazer para entender e praticar o que chamas de amor ao próximo.
O Cristo, cintilando seu tranquilo olhar nos seus seguidores, iniciou sua resposta.
- Filipe, que a paz de Deus esteja em teu coração. O apreço que devemos ter às pessoas e, em certo ponto até aos animais, exige de nós muita acuidade, muito senso espiritual, cabendo dentro da máxima que sempre repetimos: “não fazer aos outros aquilo que não queremos que eles façam conosco”. Coloca-te no lugar daqueles que esperam o teu Respeito, que logo saberás como deves agir com eles. Nem sempre os conceitos da vida que abraçamos são certos para nossos semelhantes.
‘Filipe, é importante quando atingimos determinado progresso na arte de viver bem, mas é meio perigoso o fanatismo. Vestir a capa de missão ou de cumprimento do dever é criar situações melindrosas, fazendo por vezes inimizades. Sei que tens grande dedicação aos velhos e pelas crianças órfãs que atravessam o teu caminho. Porém, não deixes que a piedade se exagere, para que ela não se torne em desespero ou revolta. Procura ajudar à altura das tuas possibilidades e na medida do interesse que o necessitado te mostrar. Sair procurando a esmo a quem socorrer ou a quem doutrinar fará com que a mágoa se instale em teu coração, podendo até enraizar-se, tornando difícil a saída.
‘Você, Filipe, não esqueces o velho Sultão um só momento, achando que foste por demais exagerado com o ancião. Poderias ter conversado sobre outros assuntos, sem levares o velho à irritação. Com pouco espaço de tempo, ficarias sabendo da opinião dele acerca da vida espiritual. Assim não fizeste, foste logo tocando no assunto, e o teu tribunal íntimo te acusa, pedindo o reparo e sugerindo que não procedas mais assim.
‘Meu filho, o acatamento às pessoas é distinção da alma nobre. Mas saber como respeitar é inspiração da caridade integrada ao amor. Não queiras impor a quem quer que seja, o teu ponto de vista. Não deves forçar as consciências, a título da vontade de Deus, pois Ele, que é o soberano, que não precisava esperar pela harmonia de tudo o que Ele mesmo fez, espera o trigo crescer e prosperar, espera os olivais ficarem no ponto da colheita, espera as fases certas de colher as uvas, espera por algum tempo a procriação das ovelhas, e espera, sorrindo, pela Natureza que nos cerca e pela nossa transformação, da ignorância para a sabedoria. E tu, quem és que não podes esperar?
‘Não te preocupes com a velhice do corpo, no tocante a necessidade urgente de fazer com que a alma que o anima desperte para o Criador, pois, em verdade te digo que, em muitos casos, a que está vivendo como criança é verdadeiramente mais velha e amadurecida para as coisas do espírito. Se queres entrar nos corações alheios para levar a Boa Nova do Reino de Deus, isso nos dá muita alegria. Todavia, Filipe, espera que os corações abram as portas dos sentimentos. O fruto verde dificilmente tem sabor e, acima de tudo, é nosso dever respeitar o ambiente alheio. Espera, espera, mesmo sendo convidado, a adentrar o lar que não seja o teu.
‘Filipe, é bom que guardes isso na tua cabeça. Ninguém se perde, todos somos filhos do mesmo Pai, criados com o mesmo amor. Se alguém reluta e não aceita a verdade agora, o tempo será o portador dela mais tarde. Eu acho que existe tanta lavoura à espera de colheita que parece perda de tempo preocupar-te com plantios novos, cujos frutos estão verdes. Procura a meditação, a oração que o fanatismo não perturbe e abrace a Deus, meu filho, esperando e trabalhando com fé, que esse mesmo Deus te guiará por todos os caminhos, para que sejas um homem reto, com reta justiça, com reto respeito e com reto amor.
Assim o Mestre encerrava mais uma importante lição que começava a construção psicológica dos 12 que Ele havia escolhido.
Sióstio de Lapa
Enviado por Sióstio de Lapa em 07/06/2019


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr