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VESTÍGIOS DO DIA
            Estamos sempre nos relacionando com o mundo à nossa volta, os caminhos surgem e temos que fazer opção por onde iremos seguir. Tenho um forte sentimento ético e tive forte admiração por colegas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte que mostravam ter um sentido ético bem mais forte que o meu, inclusive com pitadas de militância política bem mais incisivas que as minhas. Lembro de um professor do Departamento de Fisiologia, LFM, que servia para mim como uma luz a orientar o comportamento ético que todos deveriam ter, nas relações políticas e profissionais dentro do departamento, dentro da política universitária, municipal, estadual e federal.
            Quanto me admiro hoje de ver que aquele baluarte da ética e da moral, hoje defende criminosos, acusados, julgados e punidos pela justiça em todas as instâncias... como isso pode acontecer? Por que ele perdeu o sentido ético? Ou foi eu que perdi a condição de analisar com coerência os fatos à minha disposição, as narrativas que me são colocadas?
            Foi nesse contexto que reencontrei o filme, adaptado do livro homônimo, “Vestígios do dia” que vale aqui colocar a súmula do livro e alguns diálogos do filme, para nossa reflexão.
            Vestígios do dia (súmula)
            O mordomo Stevens, já próximo da velhice, rememora as três décadas dedicadas à casa de um distinto britânico, Lord Darlington, hoje ocupada por um milionário norte-americano. Por insistência do novo patrão, Stevens sai de férias em viagem pelo interior da Inglaterra. O mordomo vai ao encontro de miss Kenton, antiga companheira de trabalho, hoje mrs. Benn. No caminho, recorda passagens da vida de Lord Darlington e reflete sobre o papel dos mordomos na história britânica. Num estilo contido, o narrador-protagonista acaba por revelar aspectos sombrios da trajetória política do ex-patrão, simpatizante do nazismo, ao mesmo tempo que deixa escapar sentimentos pessoais em relação a miss Kenton, reprimidos durante anos.
            No filme, trecho do diálogo ocorrido, ao redor da mesa, durante o último jantar oferecido pelo Lord Darlington aos seus convidados.
            - No último dia de nossa conferência, permitam-me dizer o quanto fiquei impressionada com o espírito de boa vontade que prevaleceu. Boa vontade para com a Alemanha. E, com lágrimas nos olhos vejo que todos aqui reconheceram nosso direito de ser, novamente, um país forte. E, com muita sinceridade, eu declaro que a Alemanha precisa de paz, e deseja somente a paz. Paz com a Inglaterra e paz com a França. (cantora alemã)
            - Muito obrigado (Lord Darlington)
            - Eu também fiquei impressionado, profundamente impressionado com o desejo genuíno de paz expresso nesta conferência. Ao contrário do colega americano, nós, europeus, conhecemos os horrores da guerra. E quer sejamos franceses, ingleses, italianos ou alemães, nosso único desejo é nunca mais passar por ela de novo. Estou impressionado ou, melhor dizendo, emocionado com as palavras de amizade que ouvi. Eu lhes prometo que farei o máximo para mudar a política do meu país em relação àquele país que já foi nosso inimigo, mas que agora, eu ousaria dizer, é nossa amiga. (Representante francês)
            - Senhoras e senhores. Os EUA não querem guerra tanto quanto vocês. Mas também não queremos paz a qualquer preço, porque alguns preços são altos demais para pagar. Mas não falemos disso agora, talvez tenhamos de fazê-lo muito em breve. No momento, vamos fazer um brinde ao Lord Darlington em gratidão à sua magnífica hospitalidade. Ao Lord Darlington! (Representante americano)
            Todos sentam, mas o representante americano volta a se levantar.
            - Lord Darlington. Lord Darlington é um tradicional inglês da velha guarda. Decente, honrado e de boas intenções. Assim como todos aqui: decentes, honrados e com boas intenções. Foi um prazer e um privilégio para mim estar com vocês aqui. Mas, desculpem, tenho de dizer isso. Todos vocês são amadores. E assuntos internacionais não devem ser tratados por amadores. Tem ideia de que tipo de lugar o mundo à sua volta se tornou? A época em que se decidia por nobres instintos se foi. A Europa se tornou a arena da Realpolitik, a política da realidade. Se preferirem, política verdadeira. Vocês não precisam dos políticos gentis, mas sim dos verdadeiros. Precisam de profissionais para tratar de seus assuntos, senão vocês perecerão. Portanto, proponho um brinde, cavalheiros, aos profissionais.
            Nenhum dos convidados se levantou para acompanhar o brinde proposto pelo representante do congresso americano.
            Este é um exemplo do que pode estar acontecendo no mundo e principalmente no Brasil. Muitas pessoas “decentes, honradas e de boas intenções” não percebem ou não interiorizam o mal que está sendo praticado ao redor e deixam se levar pelas narrativas falsas que as mentiras constroem em busca do poder.
            Como fazer a pessoa decente que ainda continuam fascinadas pela ação do mal e suas narrativas, consigam perceber a verdade e usar a coerência para corrigir seus rumos?
            No próximo texto irei abordar outro diálogo que mostra uma possível explicação para o mistério.
 
Sióstio de Lapa
Enviado por Sióstio de Lapa em 10/06/2018


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr