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DOMÍNIO FINAL DO FATO
A quadrilha que foi formada para atacar o estado brasileiro, quando instada no Tribunal Superior de Justiça a veracidade dos seus atos nocivos, sempre colocava nos argumentos de defesa a inexistência de provas materiais para o julgamento final.
No artigo publicado por Merval Pereira no Jornal “O Globo”, em 04-08-12, ele faz lembrar que a peça acusatória do Procurador Geral da República, Roberto Gurgel, dava os detalhes da crise política ocorrida nos dias de 2005, quando a todo momento surgia um fato novo para estarrecer a cidadania. Diante da profusão de provas e evidências desfiadas por Gurgel, ficava muito difícil sustentar que o mensalão foi uma farsa, que nunca existiu. Essa tese passou a ser mais facilmente disseminada nos anos seguintes à crise, quando o ex-presidente Lula se recuperou do golpe e passou a fazer um governo muito popular, o que permitiu que mudasse de posição sem que lhe fosse cobrada mais rigorosamente essa incoerência.
Daquele homem arrasado que pensou em renunciar ao mandato no fundo de uma depressão, e que pediu perdão aos brasileiros, dizendo-se traído, ao líder arrogante que passou a defender todos os envolvidos e disse que se encarregaria de demonstrar a “farsa” do mensalão, que teria por objetivo derrubá-lo do poder, vai uma distância muito grande que nada justifica, a não ser a decantada capacidade do brasileiro de, a cada quinze anos, esquecer os últimos quinze, segundo Ivan Lessa, ou, mais pessimista ainda, Millôr Fernandes, que dizia que a cada quinze minutos o brasileiro esquece os últimos quinze. Pois a acusação de Gurgel teve a virtude de relembrar as “tenebrosas transações” ocorridas naquele período. Desde os carros-fortes que carregava a dinheirama dos mensaleiros até a lavagem de dinheiro em diversas modalidades financeiras e os saques na boca do caixa, tudo se encadeia, perfeitamente provado em perícias e documentos.
Diante do exposto, inclusive das confissões feitas rigorosamente por todos os acusados, fica impossível alguém de índole honesta, sem estar direta ou indiretamente envolvido ou se beneficiando dos atos criminosos, e analisando os fatos expostos ao público, dizer que não houve movimentação ilegal de dinheiro entre o PT e seus aliados políticos, com a utilização de diversas manobras para mascarar as negociações.
O que a razão procura entender, é porque as instituições públicas, republicanas, que têm o dever de zelar pelo bem da ética e da justiça dentro do estado brasileiro, não resolveram essa questão logo no seu nascedouro e deixaram se arrastar durante sete anos até chegar ao Supremo. E mesmo dentro do Supremo, podia-se observar a posição de alguns de seus membros, como o ministro Ricardo Lewandowski que tinha uma postura de fazer sistematicamente o contraponto do relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, no claro propósito de atrasar o processo ou inocentar os acusados.
Os fatos atuais que foram colocados para a opinião pública pelas ações da Lavajato, fazem o nosso racional supor que o saque escandaloso às diversas instâncias do Estado Brasileiro, principalmente na Petrobrás através das propinas, tenha servido para jogar para o povo humilde e ignorante, miserável em suas condições de vida, mas capazes de dizerem em quem votava devido a esmola em nome de cidadania, migalhas dos bilhões que foram distribuídos com outros objetivos, inclusive comprar a consciência de quem não podia vender, parlamentares, acadêmicos, religiosos e juízes.
A tese do mero caixa dois para pagamento de campanhas eleitorais ficou fragilizada ante o sofisticado sistema de desvio de dinheiro público montado para irrigar os cofres dos partidos com empréstimos fictícios e contas no exterior. E, mesmo que fosse verdade, o desvio de recursos públicos é crime que não se atenua com o objetivo final da aplicação do produto do roubo, mesmo que se tivesse feito doação a obra de caridade ou ao Fome-Zero, conforme salientou Gurgel.
Naquela ocasião, a acusação encarou também os comentários de que não haveria provas nos autos para condenar o ex-ministro José Dirceu, classificando-os de “risíveis”. Para derrubar essa visão, Roberto Gurgel salientou que as provas testemunhais tem o mesmo valor das documentais e citou a teoria do “domínio final do fato”, do jurista Heleno Fragoso, que define o autor do crime como aquele que pode decidir quanto à sua realização e consumação. “Nas palavras do mestre, seria autor não apenas quem realiza a conduta típica, objetiva e subjetivamente, e o autor imediato, mas também, por exemplo, o chefe da quadrilha que, sem realizar a ação típica, planeja e decide as atividades dos demais, pois é ele que tem, eventualmente em conjunto com outros, o domínio final da ação.
Para enfatizar que José Dirceu era realmente o “mentor, protagonista e idealizador” do esquema, Gurgel citou o testemunho de diversos políticos, líderes partidários e empresários que negociavam diretamente com ele “entre quatro paredes”, algumas vezes até mesmo no Palácio do Planalto. O intrigante é que o ministro José Dirceu era subordinado do presidente Lula. Então, se ele não sabia como dizia inicialmente e pedia desculpas ao povo brasileiro, então a tese do ministro José Dirceu ser o chefe da quadrilha, que conseguiu ludibriar, o presidente estaria correto. Mas logo em seguida o presidente Lula passou a defender os criminosos do alto de sua boa aprovação na opinião pública, então assumiu o verdadeiro comando das ações.
Roberto Gurgel chamou a atenção para o fato de que os chefes de quadrilha não mandam ordens por escrito, não combinam os golpes por telefone ou por emails. E, mesmo sem o chamado “ato de ofício”, é possível definir responsabilidades. Foi esse o objetivo da Promotoria Pública organizar e publicar um powerpoint mostrando a relação do ex-presidente Lula com o crimes que aconteciam ao seu redor.  
Este é o trabalho da verdadeira justiça, esclarecer os fatos e demonstrar as relações de causa e efeito em torno de determinadas pessoas. É daí que a verdade é extraída e as narrativas contrárias perdem força frente as mentes honestas, quando essas narrativas não são coerentes com os fatos que são analisados. Infelizmente ainda temos muitas mentes no Brasil incapazes de raciocinar nesse nível, ou livres de interesses subalternos que não conseguem ver ou reconhecer a Verdade. Muitos vão para a rua repetindo chavões que nada significam para eles, mas ganharam algum dinheirinho e algum tipo de lanche, e ainda por cima assinalam nas pranchetas dos entrevistadores em quem votam.
Sióstio de Lapa
Enviado por Sióstio de Lapa em 14/05/2017


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr