Textos

BEM VINDO À SELVA
Li um texto do jornalista Alexandre Garcia sobre o caos que se instalou no Estado do Espírito Santo, disponível na net com o título: “Espírito Santo nada”, que me inspirou fazer este diário, neste fatídico dia 13, associado ao azar e que lembra o partido que facilitou toda essa confusão e violência que estamos vivendo. O texto é o seguinte:
As imagens dos saques no Espírito Santo, praticados por bandidos ainda não profissionais, chocam mas não surpreendem. Não precisa ser adivinho para perceber que acabaríamos assim, sem lei e sem ordem. Fica bem claro que aqueles ladrões são os que elegem seus semelhantes ladrões. Hipócritas que chamam os políticos de ladrões quando eles próprios, eleitores, são os ladrões primeiros a continuar, pelo exemplo aos filhos, a formar gerações de ladrões que só se contém quando a polícia está de olho. Sem polícia, eles soltam sua selvageria latente, essa mesma já saída de pais que nunca disseram não, jovens que foram formados na permissividade preguiçosa de pais e mães – adultos com a irresponsável e infantil paternidade carente de amor dos filhos e não exigente de respeito.
Cruel e já espalhada pelo país tropical, essa selvageria saqueia ônibus e caminhões tombados nas estradas, ainda com feridos à espera de socorro. Falar em respeito aos mortos, em respeito à lei, em respeito à ordem, em direito dos outros é recebido hoje como uma bobagem anacrônica. Gerações que foram educadas sem limites para as liberdades, tendo como objetivo o prazer e a satisfação dos desejos de consumo – seja um tênis, um boné ou um carro, um relógio. Para isso, vale tudo, já que o ego é o centro do mundo. Não há limites na lei ou no direito alheio para a realização de suas ficções. E a mídia mostra que a estética é um valor superior à ética.
Viver virou apenas um jogo. “Perdeu” – comemora o assaltante ao arrancar o celular de alguém. O governo tirou o direito de defesa e não defende ninguém. O vale-tudo nos transforma numa bagunça e que já nos acostumamos, no trânsito, no lixo, no mau cheiro, na corrupção, nos impostos sem serviços, nas escolas abandonadas, nos professores malformados, nos profissionais-amadores, no improviso, na falta de planejamento, no descumprimento de horário, na palavra descumprida, na banalização de 160 homicídios por dia e quase outro tanto de matança no trânsito. Perdemos todos. E começou em casa, como já demonstrei no artigo anterior.
Vi também o povo aplaudindo o Batalhão de Infantaria saindo do quartel em socorro aos cidadãos ilhados em suas casas. Já havia visto isso em 1964, com ainda mais aplausos, mas aquela solução não é a de hoje. Hoje vai ser preciso convencer as pessoas de que agir dentro da lei e da ética é a melhor é a melhor forma de viver bem, em segurança, com direitos garantidos. Não é utopia. Ali no Uruguai ou no Chile é assim; não precisamos ir para o hemisfério norte. A vida fica fácil dentro da lei e da ordem. O que acontece no Espírito Santo já nem é mais um alerta, porque já passamos do ponto de retorno. Agora vai demorar gerações, até que se recupere a família que foi jogada na sarjeta.
Esta frase que coloquei em negrito é o que justiça o título deste meu texto. Já passamos do ponto de retorno, da civilização para a selva. Agora, vamos refletir um pouco. Caso parecido aconteceu em 1964, como o autor lembra, sob os aplausos do povo. Mas diz que aquela solução não é a de hoje. Diz que vai ser preciso convencer as pessoas de que agir dentro da lei e da ética é a melhor forma de viver bem. Concordo, mas se já vivemos dentro da selva, com as escolas destroçadas materialmente e cooptadas ideologicamente, com nossos dirigentes sendo eleitos democraticamente pela massa selvagem, que desde o ato de votar já exige privilégios e que são atendidos antes ou depois do mandato ser alcançado por um selvagem igual a ela, mesmo que de colarinho branco, como isso vai ser possível? Eu me considero um pacifista, cristão, filho de Deus. Nunca usei armas nem dentro nem fora de casa. Mas hoje me sinto como um cordeirinho andando por essa selva de pedra, observado pelas feras em cada esquina, sem nada para me defender. Afinal, quando vamos para a selva real, não levamos algum tipo de arma para nos proteger das feras? E o que diferencia as feras da selva real, das feras da selva de pedra? Apenas a inteligência mais sofisticada, e isso as torna mais perigosas que as feras da selva real. Agora, eu penso seriamente em sair da minha casa fortificada com cerca elétrica, câmeras, grades e cães, no meu carro, blindado e com película, e com “uma arma ao meu alcance”. Irei dirigir controlando o fechamento do sinal para não ficar com o carro parado e incapaz de uma fuga rápida. Sou agora um cidadão que luta pela sobrevivência em dois planos, um no trabalho para garantir minhas necessidades e da minha família, e noutro na atenção e prudência para eu não perder a própria vida por uma emboscada da fera da selva de pedra.
Sinto que se eu permanecer nessa situação, a tendência é que eu me torne uma fera também, capaz de matar o meu semelhante, mesmo que seja em legítima defesa. Os pastores, juízes ou parlamentares não conseguem trazer de volta a civilização. Não seria plausível tentar de novo com os militares? Trocar a volta da minha segurança pelo direito de votar? Eu não me incomodaria, pois sinto que o meu voto até agora está alimentando a selvageria. Prefiro ser um cordeirinho guardado pela força das armas, do que ser mais uma fera na selva de pedra.
Sióstio de Lapa
Enviado por Sióstio de Lapa em 13/02/2017


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr