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TEMA DE CLARA
Hoje é o dia de Santa Clara e neste ano de 2012 celebram 800 anos de fundação da Ordem de Santa Clara de Assis. A mulher que olhou um dia para o espelho e não se viu mais. O amor tomou forma em sua corporeidade. A força do amor que a transformou e desenvolveu o seu coração criou uma nova identidade; por isso o olhar contemplativo de Clara via em tudo traços sagrados.
Santa Clara de Assis, companheira espiritual de São Francisco de Assis, na Idade Média, também conhecida como idade das trevas, desenvolveu fortes paradigmas de vida associados ao exemplo dado por seu conterrâneo. Passou a viver em um mosteiro em função disso e praticar um comportamento rígido em torno daquilo que acreditava. Sua fé justificava esses principais temas em sua vida, todos relacionados com a figura central de JESUS CRISTO:
1º) POBREZA – Associado ao pensamento de Francisco, fazia contraponto à opulência que se observava na igreja e que a corrompia por dentro. Os votos de pobreza mostravam com transparência a possibilidade de viver os ensinamentos de Cristo sem a necessidade de acúmulo de bens materiais, fazendo a opção pelos pobres, em ser solidários com eles em seus sofrimentos e injustiças;
2º) CRUCIFICAÇÃO CRÍSTICA – O exemplo máximo de um idealismo, que sabendo todas as forças contrárias e destrutivas que poderiam se opor ao ensinamento realizado, mesmo assim não temia pela vida e não usava das armas dos adversários para se defender, como o poder, a arrogância, a violência. Manteve sempre a honestidade de suas palavras respaldadas pelas ações que implementava e conhecedor que o ponto máximo da crueldade imposta sobre si, seria o ícone dos seus ensinamentos ao longo dos séculos;
3º) ESPOSO – Relação íntima de obediência servil com o mestre Jesus, visto como o marido perfeito, inconteste e divino. Seu contato constante com Ele através da oração, procurava absorver todos os seus ensinamentos e aplicá-los na sua vida como uma boa esposa faz com as ordens do marido. Não havia a mínima possibilidade de colocar em dúvida ou contestar qualquer ensinamento;
4º) VIRGINDADE – Representa o ponto máximo da mortificação do corpo, no atendimento dos seus desejos. Não é considerada a integração do corpo à Natureza e a fisiologia e psicologia natural que garante a preservação e a reprodução dos corpos para que a vida no campo material tenha prosseguimento. O recurso reprodutivo é anulado de foram ampla, total e irrestrita. Faz assim o contraponto do esposo crístico que não tem consistência material e por isso não tem expressão na reprodução. É completamente atendido na dimensão espiritual.
O pensamento de Clara, assim como o de Francisco, ganharam o mundo e atravessaram os séculos. Passaram os 10 séculos da Idade Média, entramos na Idade Moderna, acabamos os feudos, criamos o capitalismo e agora estamos na Idade Contemporânea. Amadurecemos as ideias iluministas disseminadas pela Revolução Francesa, desenvolvemos a ciência e tecnologia para entender o homem e a sociedade, mas os ensinos de Jesus Cristo continuam prevalentes e clamando por uma aplicação prática na criação de uma sociedade mais justa e solidária. Observamos que a nação por mais rica e poderosa na ciência, tecnologia e artefatos bélicos, não tem como garantia a sociedade que desejamos. A injustiça e a prepotência ainda imperam e geram uma gama de infortúnios como guerras, pestes, fome, escravidão. Os ensinos de Jesus conseguem criar bolsões de solidariedade em todo o planeta, mas é necessário que sejamos mais eficientes nesse aspecto.
Temos muito respeito por Francisco e Clara por suas ações corajosas na preservação da pureza dos ensinos do Mestre Jesus, mas acredito que tenhamos condições hoje de ir mais além. Vamos pegar o Tema de Clara e fazer algumas modificações ou atualizações, ainda de acordo com os ensinos de Jesus. Clara focou na figura de Jesus, acredito que nós devemos focar agora naquilo que ele nos ensinou e procurar fazer a sua aplicação prática. Agora o nosso tema deve ter como objetivo central O REINO DE DEUS e fazer o contraponto com o tema de Clara:
1º) CLASSE MÉDIA – Não admitimos a existência de ricos e pobres no Reino de Deus. É uma sociedade solidária onde os recursos materiais podem ser acumulados com o único propósito de ser mais útil à coletividade, passando inicialmente por aqueles que nos são mais próximos, mas sem a eles oferecer nenhuma vantagem em detrimento dos mais distantes;
2º) CRUCIFICAÇÃO CRÍTICA – Os tempos atuais não permitem mais aquela crucificação no madeiro, mas as massas continuam atentas aos seus privilégios e interesses materiais e dispostas a investirem contra quem quer que seja que represente uma ameaça. A distribuição dos bens materiais entre os mais desprotegidos é uma ameaça que deve ser contida pela crítica ferrenha, acusações, punições, isolamento de quem assim pensar e quiser agir;
3º) CIDADANIA – O foco não é um esposo, uma figura central que representa os interesses de um clã. O foco é cada indivíduo e seus direitos imanentes como ser humano e ser espiritual dentro da sociedade. As relações íntimas devem ser realizadas em caráter de justiça, de direitos equivalentes, de amor inclusivo. Assim, as relações familiares terão uma abertura mais ampla, família ampliada com base no amor inclusivo, cada vez mais próxima da família universal, do amor incondicional;
4º) JUSTIÇA SOCIAL – Os contratos sociais devem ser diversificados para atenderem os diversos interesses da individualidade de cada um dos cidadãos. O casamento tradicional poderá ainda ser realizado, mas com a observação do seu cumprimento integral por quem assim optar. Também não deve em nome do amor exclusivo causar qualquer tipo de prejuízo na coletividade. Porém, o contrato social mais utilizado será o da família ampliada, onde o sexo estará sempre associado ao amor incondicional, mesmo que num instante inicial tenha as características do amor romântico. Não haverá exclusividade para o amor e a responsabilidade e fraternidade inibirá a permissividade sexual. Nenhum ente individual ou grupal poderá ficar acima do interesse da comunidade.
Acredito que já temos condições de implementar esse modelo mais pragmático de correção das distorções sociais que observamos e sofremos os seus efeitos. A lição do grande Mestre continua atualizada e exigindo que seja colocada realmente na prática dos nossos relacionamentos.
Sióstio de Lapa
Enviado por Sióstio de Lapa em 11/08/2012
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