Sióstio de Lapa
Pensamentos e Sentimentos
Meu Diário
18/08/2025 00h01
JUSTIÇA E MISERICÓRDIA

            Dioclécio vivia angustiado, mas procurava evitar que percebessem. Mantinha sempre um riso no rosto e uma brincadeira nos lábios. O cachorro da casa o adorava, as filhas lhe tinham afeto, mas a esposa...



            A esposa sempre foi uma incógnita em sua vida. Ficou apaixonada por ela desde o início quando a conheceu, e usou todos os recursos para lhe conquistar. Até apareceu em sua casa montado em um belo cavalo branco e paparicar a sua ciosa mãe.



Mas a esposa, apesar de ter aceito o namoro, não queria casar. Foi necessário muito conselho da família e até do padre, para ela aceitar no último momento a entrar na Igreja como noiva.



            Acredito que tenha sido a partir daí o início dos ressentimentos que Dioclécio comecou a juntar no seu inconsciente. Ele procurava fazer o máximo dentro de suas possibilidades para alcançar um tipo de parceria afetiva da sua esposa com ele. Levava ela para jantares, festas, chegou a leva-la nos braços para dentro do quarto e até de joelhos lhe oferecer rosas. Mas, em troca Dioclécio só recebia ironias, a esposa colocava as suas ações de forma divertida, fazia todos rirem de todos os seus esforços. Ele também ria e disfarçava o ressentimento que ia se juntando no peito.



            Quando ele saía para trabalhar fora do Estado em que morava, chegando a passar até três meses distante da família, ao chegar sem avisar para fazer uma surpresa agradável à esposa, recebia dela a sugestão, de forma irônica, que ele avisasse quando chegasse para evitar encontrar outra pessoa dentro de casa. Guardava mais ressentimento dentro de si e procurava abafar os seus efeitos com o uso de bebidas alcoólicas, festas com os amigos, jogos de futebol ou de baralho.



            O tempo passava, a idade cada vem aumentava, o trabalho autônomo que fazia dependia da sua visão que estava danificada pelas chamas que sempre usava no seu serviço. Já perdera a visão de um olho, se sentia incapacitado de voltar ao trabalho se não fizesse uma cirurgia que custava caro. Ele não tinha um emprego regular ou plano de saúde, que tirasse uma licença remunerada e que tivesse a cirurgia sem pagar. Tinha que garantir o máximo de economia para ter consigo os recursos e viabilizar suas necessidades e da família.



            As suspeitas de que estava sendo traído por alguns artefatos que encontrava em casa foram as gotas de ressentimentos que extrapolou o seu controle emocional. Passou a reagir com palavras rudes, pornofônicas, agressivas, de tom moral chegando ao limite da agressão física. Sentia a sua honra de homem ser destruída, sua capacidade de provedor ameaçada... num ímpeto de desespero quebrou objetos domésticos e logo viu chegar a polícia para leva-lo à delegacia e expulsa-lo de casa.



            Foi nesse momento que, algemado em frente ao delegado, cercado por policiais armados, com acusações por todos os lados, sem ninguém a lhe defender, que ele lembrou de uma frase que ouvira na Igreja: “Bem-aventurados os sedentos de justiça e misericórdia”.



            Sim, ele estava sedento de justiça e misericórdia, mas por que bem-aventurado? Não conseguia entender. Mas sentia que tinha alguém que ninguém via, nem ele mesmo, mas que aquelas Suas palavras ouvidas na Igreja apontavam para o Pai que jamais o abandonou, que conhece todas as suas dores, que sonda o seu coração e não encontra maldades. Compreendeu que essa incompreensão do mundo, essa falta de justiça e misericórdia que não encontra em ninguém, é o que estava lhe levando para os braços do Pai, que sempre é bondoso e acolhedor com todos os seus filhos, principalmente os sedentos de justiça e misericórdia. Por isso ele estava sendo bem-aventurado.



            De repente sentiu um alívio em sua alma que estava se libertando das cadeias das raivas, dos ressentimentos, da cegueira que chegava, do provedor que partia. Já não sentia o frio das algemas em seus braços, a ameaça dos soldados armados ao seu redor, das palavras duras do delegado à sua frente, dos olhares raivosos ou chorosos dos parentes à distancia. De seus olhos também corriam lágrimas, mas agora eram lágrimas de compaixão não consigo mesmo, pois estava no colo do Pai, mas por todos que o crucificavam sem saber na verdade o que faziam.


Publicado por Sióstio de Lapa
em 18/08/2025 às 00h01