Sióstio de Lapa
Pensamentos e Sentimentos
Meu Diário
30/05/2025 00h01
A MERCADORA DE AROMAS

            No livro escrito pelo Espírito Humberto de Campos (pseudônimo Irmão X) pela psicografia do médium Chico Xavier, encontrei um texto (capítulo 17) que chamou minha atenção para reforço de minha narrativa pessoal. Vejamos...



            Em Jerusalém, nos arredores do Templo, adornada mulher encontrou um nazareno, de olhos fascinantes e lúcidos, de cabelos delicados e melancólico sorriso, e fitou-o estranhamente.



            Arrebatada na onda de simpatia a irradiar-se dele, corrigiu as dobras da túnica muito alva, colocou no olhar indizível expressão de doçura e, deixando perceber, nos meneios do corpo frágil, a visível paixão que a possuíra de súbito, abeirou-se do desconhecido e falou, ciciante:



            - Jovem, as flores de Séforis encheram-me a ânfora do coração com deliciosos perfumes. Tenho felicidade ao teu dispor, em minha loja de essências finas...



            Indicou extensa vila, cercada de rosas, à sombra de arvoredo acolhedor, e ajuntou:



            - Inúmeros peregrinos cansados me buscam à procura do repouso que reconforta. Em minha primavera juvenil, encontram o prazer que representa a coroa da vida. É que o lírio do vale não tem a carícia dos meus braços e a romã saborosa não possui o mel de meus lábios. Vem e vê! Dar-te-ei leito macio, tapetes dourados e vinho capitoso... Acariciar-te-ei a fronte abatida e curar-te-ei o cansaço da viagem longa! Descansarás teus pés em água de nardo e ouvirás, feliz, as harpas e os alaúdes de meu jardim. Tenho a meu serviço músicos e dançarinas, exercitados em palácios ilustres!...



            Ante a incompreensível mudez do viajor, tornou, súplice, depois de leve pausa:



            - Jovem, por que não respondes? Descobri em teus olhos diferente chama e assim procedo por amar-te. Tenho sede de afeição que me complete a vida. Atende! Atende!...



            Ele parecia não perceber a vibração febril com semelhantes palavras eram pronunciadas e, notando-lhe a expressão fisionômica indefinível, a vendedora de essências acrescentou um tanto agastada:



            - Não virás?



            Constrangido por aquele olhar esfogueado, o forasteiro apenas murmurou:



            - Agora, não. Depois, no entanto, quem sabe?!...



            A mulher, ajaezada de enfeites, sentindo-se desprezada, prorrompeu em sarcasmos e partiu.



            Transcorridos dois anos, quando Jesus levantava paralíticos, ao pé do Tanque de Betesda, venerável anciã pediu-lhe socorro para infeliz criatura, atenazada de sofrimento.



            O Mestre seguiu-a se hesitar.



            Num pardieiro denegrido, um corpo chagado exalava gemidos angustiosos.



            A disputada mercadora de aromas ali se encontrava carcomida de úlceras, de pele enegrecida e rosto disforme. Feridas sanguinolentas pontilhavam-lhe a carne, agora semelhante ao esterco da terra. Exceção dos olhos profundos e indagadores, nada mais lhe restava da feminilidade antiga. Era uma sombra leprosa, de que ninguém ousava aproximar-se.



            Fitou o Mestre e reconheceu-o.



            Era o mesmo mancebo nazareno, de porte sublime e atraente expressão.



            O Cristo estendeu-lhe os braços tocado de intraduzível ternura e convidou:



            - Vem a mim, tu que sofres! Na Casa de meu Pai, nunca se extingue a esperança.



            A interpelada quis recuar, conturbada de assombro, mas não conseguiu mover os próprios dedos, vencida de dor.



            O Mestre, porém, transbordando compaixão, prosternou-se fraternal, e conchegou-a de manso...



            A infeliz reuniu todas as forças que lhe sobravam e perguntou, em voz reticenciosa e dorida.



            - Tu?... O Messias nazareno?... O Profeta que cura, reanima e alivia?!... Que vieste fazer, junto de mulher tão miserável quanto eu?



            Ele, contudo, sorriu benevolente, retrucando apenas:



            - Agora, venho satisfazer-te os apelos.



            E recordando-lhe as palavras do primeiro encontro, acentuou, compassivo:



            - Descubro em teus olhos diferente chama e assim procedo por amar-te.  



            Excelente lição. Uma forma profunda de amar. Se eu estivesse no lugar do Mestre no primeiro encontro, é bem provável, se meus impulsos instintivos não sofressem bloqueio de nenhum tipo, eu teria aceito o convite da Mercadora de Aromas e teria gozado com ela dos prazeres corporais, mesmo que eu tivesse todo o cuidado de não violar a principal lei que o Cristo ensinou: “amar ao próximo como a si mesmo”; “fazer ao outro aquilo que deseja que os outros façam a ti”.



            Mas o Mestre se encontra num grau bem mais evoluído que o meu, Ele vislumbrou que o prazer que Ele iria ter naquele momento com a Mercadora, significava um pequeno intervalo de tempo que Ele teria dentro do pouco tempo que Ele teria para realizar a missão. Iria criar um laco que poderia atrapalhar o sucesso de sua missão. Portanto, no segundo momento, Ele teve oportunidade de mostrar a qualidade do amor que estava ensinando, que não está simplesmente acoplado aos prazeres corporais.



            Mas acredito que eu esteja procurando seguir esses passos...


Publicado por Sióstio de Lapa
em 30/05/2025 às 00h01