Meu Diário
10/01/2022 23h59
O PODER DO MITO – 9 - TRANSFORMAÇÃO

            Encontrei na internet a entrevista de Bill Moyers a Joseph Campbell, publicada em 02-11-2019, com 7.145 visualizações, que achei interessante reproduzir partes neste espaço, para refletir junto com meus leitores neste momento em que o Brasil tem na presidência uma pessoa considerada como mito. Será que Joseph Campbell fará alguma associação moderna com o nosso caso Brasil e reflexos no mundo?



BM - Você vê surgirem novas metáforas na mídia moderna para as velhas verdades universais de que você falou, a velha história?



JC – Eu acho que “Guerra nas Estrelas” é uma perspectiva mitológica válida. E o problema á a máquina. E o Estado á a máquina. Será que a máquina vai esmagar a humanidade ou servir à humanidade? E a humanidade não se origina da máquina, mas do coração.



CENA DA TRILOGIA “GUERRA NAS ESTRELAS”



- Luke, me ajude a tirar essa máscara.



- Mas você vai morrer.



JC – Creio que é no “Retorno de Jedi” que Skywalker tira a máscara do pai. O pai representava um desses papeis de máquina. Um papel de Estado. Ele era o uniforme, compreende? E ao retirar aquela máscara havia ali um homem não desenvolvido, uma espécie de verme. Quando alguém é executivo de um sistema não está desenvolvendo o lado humano. Creio que aí George Lucas fez algo belíssimo.



BM – A ideia da máquina é que queremos fazer o mundo à nossa imagem, segundo o que achamos que o mundo deve ser.



JC – Da primeira vez que alguém fez uma ferramenta, pegou uma pedra e a lascou para poder manuseá-la, estabeleceu o começo da máquina. É transformar a natureza externa e coloca-la a nosso serviço. Mas chega um momento em que ela começa a mandar em você. No momento, estou brigando com meu computador.



BM – Computador?



JC – Comprei um há pouco tempo. Não deixo de pensar que ele tem a sua própria personalidade, porque ele me dá respostas e se comporta de uma maneira imprevisível. Então estou personificando essa máquina. Ela é quase viva. Eu poderia transformá-la num mito.



BM – Há uma história ótima sobre o Presidente Eisenhower quando estavam construindo o primeiro computador. Lembra-se?



JC – Eisenhower entra numa sala cheia de computadores e faz uma pergunta a um deles: “Deus existe?” Daí todas as máquinas começam a funcionar com as luzes piscando, engrenagens girando e depois de uns 10 minutos de tudo isso ouve-se uma voz que diz... “Agora existe!” Eu comprei essa maravilhosa máquina IBM. Lá está ela, e como sou um especialista em deuses, identifiquei um deus que me pareceu um Deus do Velho Testamento, com um monte de regras e nenhuma compaixão.



BM - Ele não perdoa, não é?



JC – Se ele o pegar apanhando lenha no sábado, você está fora do jogo.



BM – Mas não seria possível assumirmos em relação ao computador, ao computador, com que você tanto briga, não seria possível desenvolver o mesmo tipo de atitude como a do cacique pawnee que disse que nas lendas de seu povo todas as coisas falam de Tirawa, todas as coisas falam de Deus. Não era uma revelação privilegiada. Deus está em todo lugar na Sua obra, incluindo o computador.



JC – Sim, é verdade. Veja o milagre que acontece naquela tela. Você já olhou dentro de um troço desses?



BM – Não.



JC – É inacreditável. Há toda uma hierarquia de anjos, todos em placas. E aqueles tubinhos são um milagre. São mesmo.



BM - Pode-se sentir o sentimento de temor?



JC – Com meu computador, tive uma revelação sobre a mitologia. Você compra um software e nele há um conjunto de sinais que levam à realização do objetivo. E uma vez que você digitou, digamos, DW3, se começar a brincar com sinais que pertencem a outros sistemas, a coisa não funciona. Há um sistema ali, um determinado código que exige que você use certos termos. Assim também na mitologia. Cada religião é uma espécie de software que tem seu próprio conjunto de sinais e que funciona. Funciona. Mas suponha que você escolheu uma. Se você está realmente envolvido com uma religião realmente construindo a sua vida em torno dela, é melhor ficar com aquele software. Mas alguém como eu, que gosta de ficar brincando...



BM – Cruzando os fios.



JC – Brincando com os softwares posso experimentar, mas nunca terei a experiência de um santo.



            A evolução do pensamento leva a humanidade para caminhos perigosos. Devemos usar a inteligência para evitar catástrofes que podem ocorrer no nosso trajeto. A transformação da máquina, de objeto servil em senhorio é uma ideia que está sempre em nossa imaginação. Lembro do filme “2001, uma odisseia no espaço”, onde o computador da nave cria personalidade e caminha para o controle da viagem, sem reconhecer mais a quem devia servir. Essa transformação difícil de acontecer na tecnologia que imite o cérebro humano, com seus processos de criatividades, é mais fácil de acontecer transformações no nosso próprio processo evolutivo que faz parte do projeto da Natureza, na personalidade infantil, adulta e idosa, na masculina e feminina... o que chega mais perto da transformação natural da personalidade humana, é a transformação de grupamentos coletivos onde o egoísmo atua da mesma forma que atua no individual. Daí observamos a tendência desses grupos coletivos se disseminarem pelo planeta numa tentativa totalitária que chega a ponto de cometer assassinatos ou genocídios, como está registrado em nossa história.



Publicado por Sióstio de Lapa em 10/01/2022 às 23h59


Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr